Em períodos eleitorais em Angola são frequentes os casos de intolerância, traduzidos, por vezes, em violência física. Sem que ponham em causa a paz, exemplarmente preservada nos últimos vinte anos, não deixam de ser preocupantes tais manifestações. Por isso vale a pena analisar as suas causas.
Angola chegou à democracia multipartidária depois de um processo moroso de negociações para se pôr fim ao longo período de guerra. A expectativa do chamado Ocidente era, na altura, que a realização de eleições conduziria a uma alternância inevitável do poder, dado o desgaste do partido governante desde a independência. Isso influenciou dois aspectos: o período a decorrer entre a assinatura do acordo de paz e a data das eleições (apenas 16 meses), demasiado curto para permitir a pacificação dos espíritos e a integração das partes em conflito numa nova sociedade; e o modelo de democracia que haveria de ser conformada pela Lei Constitucional de 1992, que, entre outros elementos menos positivos, previa que o vencedor das eleições ficaria com a totalidade do poder político (the winner takes all). O recomeço da guerra que se seguiu pode, em parte, ser explicado por tais decisões.
Como se não fosse pouco, o partido no poder continuou, como no passado, confundido com o Estado, principalmente depois de alcançada a paz, e mais ainda com a aprovação da Constituição de 2010, consumando uma hegemonia que não deixa espaço à oposição, sem entender que desse modo estava a prejudicar a construção da democracia e, em última instância, os seus interesses estratégicos.
Depois da arrasadora vitória em 2008, as políticas desadequadas e o desgaste têm levado o partido no poder a perder progressivamente votos nas duas últimas eleições. Tudo indica que, apesar de medidas irregulares e ilegais que ferem a justiça eleitoral, como, por exemplo, a parcialidade da comunicação social pública e a utilização abusiva de bens públicos, a penalização em 2022 será maior e observadores imparciais acreditam que estas serão as mais disputadas eleições depois de 1992, com vencedor imprevisível. Facto que leva tais observadores a mostrarem-se preocupados com o aumento das tensões políticas e sociais à medida que se aproxima o dia 24 de Agosto, pois a intolerância política tende a agravar-se.
A correcção de aspectos negativos de 1992 e 2010 poderia acontecer se houvesse abertura para um pacto de convergência democrática que conformasse um consenso e um compromisso nacional para solução de problemas actuais e futuros da sociedade angolana e consubstanciado, entre outros aspectos, numa revisão constitucional consensual, na descentralização política e na despartidarização do Estado.