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A crise e o papel do Estado na sobrevivência das empresas

Nuno Fernandes
12/5/2020
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Foto:
DR

Estado angolanano peca por ausência. Os meios são parcos e as soluções não são muitas. É preciso um exercício de prioridades que ultrapassa o mero exercício financeiro.

“Nós queremos pagar salários. Desejamos cumprir com as obrigações fiscais. Não queremos equacionar despedimentos nem o fecho de serviços”.  Este é o sentimento colhido junto de todos aqueles que têm a responsabilidade de gerir empresas, sejam micro, pequenas ou médias. Criaram-nas com o sonho de as ver crescer e não morrer. É o sonho normal dos empresários, aqui em Angola ou noutra qualquer parte do mundo. Fazer uma empresa no nosso país é algo particularmente difícil. É inexistente a infra-estrutura básica de apoio, cabendo às empresas suprir, por meios próprios, aquilo que o Estado deveria colocar à disposição. Refiro-me ao básico: água, electricidade, vias de acesso, transportes colectivos, saneamento básico, entre muitas outras coisas. Como poderá ser lucrativa uma fazenda se é obrigada a consumir 75 mil litros de gasóleo por semana para suprir a falta de energia que não chega ao local? Gasóleo esse que vai por estradas completamente danificadas causando prejuízos técnico-materiais aos veículos que o transportam. Andamos nisto há quanto tempo?

O país entrou em recessão de há seis anos para cá, em parte resultado da súbita baixa do preço do petróleo, mas, fundamentalmente, pela má gestão a que foi sujeito por quem nos tem governado. Gastaram-se, e gastam-se, rios caudalosos de dinheiro em obras não reprodutivas. Quisemos apresentar-nos ao mundo pelo folclore de prédios de última geração, marginais emblemáticas, aeroportos futuristas, obras de valor duvidoso, altamente superfacturadas, enquanto nos esquecíamos de reactivar  a agricultura familiar, de construir um modelo de educação eficaz, funcional,  virado para o futuro, que fosse garante de uma forte formação técnica, profissional e ética; um sistema nacional de saúde assente na medicina preventiva, próximo das populações, que nos evitasse gastos maiores e, sobretudo, a perda de vidas. Gastámos, gastámos, gastámos e quando precisámos recorremos ao garrote fiscal asfixiando empresas e trabalhadores. Vieram dizer-nos que outros foram os culpados, como se muitos dos actuais não tivessem participado do banquete. E, como um mal nunca vem só, a pandemia Covid-19 veio dar-nos um murro no estômago, cujas consequências são muito difíceis de divisar no presente momento. A par do que se passa noutras latitudes, o Estado aqui peca por ausência. Os meios são parcos e as soluções não são muitas. É preciso um exercício de prioridades que ultrapassa o mero exercício financeiro. Há que ver para além dos números. Há que ver o ser humano nas suas diversas latitudes e necessidades.

Por isso, não são aceitáveis as dotações dedicadas à Defesa Nacional e ao Ministério do Interior no Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2020. Compreendemos a sensibilidade dos dois sectores no enquadramento geopolítico onde nos encontramos, mas estamos a viver um momento muito particular das nossas vidas. São mais de mil milhões de kwanzas para dois ministérios contra mil e quinhentos milhões para outros 20 sectores da vida nacional. Isso não faz sentido.

E onde fica o apoio de emergência, absolutamente necessário às empresas? Às milhares de micro, pequenas e médias empresas que são o garante de largos milhares de empregos e que, por si só, são o sustento de milhões de famílias? Vamos informalizar o país? O desemprego atira-nos para aí.

O pacote oferecido pelo Governo, que fundamentalmente visou o sector produtivo, é claramente insuficiente. Não resolve oferecer deferimentos nos prazos de pagamentos de alguns impostos. Se hoje não há dinheiro sequer para os salários, não haverá daqui a dois meses valores que os cubram nem tão pouco os tais impostos. A comparticipação do Estado nos salários das micro, pequenas e médias empresas torna-se uma emergência nacional. A isenção do IVA para facturas não liquidadas e a suspensão da retenção dos 6,5% na fonte são outras medidas que podem ser claramente equacionadas, bem como permitir às empresas que negoceiem com os seus colaboradores a possibilidade da suspensão temporária de funções, reduções salariais e outras medidas que, em última análise, ajudem a salvaguardar os empregos e a continuidade do trabalho. Os desequilíbrios orçamentais do OGE podem e devem ser corrigidos canalizando-se o dinheiro para onde é mais necessário. A sobrevivência das empresas é um imperativo nacional. Maio é o mês dos trabalhadores. Saibamo-los honrar!