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Carta do ex-PR pode ser insuficiente para ilibar Valter Filipe

Redacção_E&M
29/6/2020
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Foto:
DR

Decorre na Câmara Criminal do Tribunal Supremo, o julgamento do caso “500 milhões de dólares do BNA”, cujos réus são Filomeno dos Santos “Zenu”, Valter Filipe, Jorge Gaudens e António Manuel.

Segundo o Jornal de Angola, na sua versão digital, as alegações orais, fase do processo em que a defesa e a assistência apresentam os seus últimos argumentos de razão sobre o caso, começam amanhã. Nesta fase do processo, escreve o diário público, os advogados de defesa procuram, a todo custo, convencer o juiz da causa de que os seus constituintes são inocentes. 

De acordo com o periódico nacional, a dúvida se a carta de José Eduardo dos Santos, enviada ao Tribunal, através da qual assume a autoria da ordem para a transferência dos 500 milhões de dólares para Londres, vai ou não ajudar a ilibar os réus dos crimes de que são acusados, continua a dividir a opinião pública nacional.

Outra dúvida que paira no ar é se, salienta o Jornal de Angola, assumindo a autoria da ordem para transferir o dinheiro, José Eduardo dos Santos poderá ou não ser responsabilizado criminalmente, tão logo terminem as sua imunidade constitucionais. 

Assim sendo, para esclarecer melhor a opinião pública sobre o assunto mediático, o  jurista Albano Pedro disse, em entrevista ao mesmo jornal, que o facto de o ex-Presidente da República ter admitido, por via da carta enviada ao Tribunal, que autorizou a operação não iliba, de todo, Valter Filipe das acusações que pesam sobre ele.

Segundo o também académico, antigo governador Banco Nacional de Angola (BNA), terá, também, de provar, com documento, que recebeu tal orientação. “Caso contrário, o acto não existe”, frisou Albano Pedro.

O jurista esclareceu que os actos administrativos, regra geral, têm de ser formais, de acordo com o Direito Administrativo, ramo do Direito que se ocupado estudo da Administração Pública e das actividades dos seus integrantes. 

De acordo com a fonte citada pelo jornal, a mesma exigência que recai sobre Valter Filipe, aplica-se também a José Eduardo dos Santos, que terá de apresentar, além da carta, outro documento que prove que, realmente, deu orientação ao antigo governador do BNA para executar o acto.

No entender de Albano Pedro, enquanto não se apurar a veracidade e a existência desse documento, a posição do ex-Presidente da República será considerada não formalizada ou ordem não dada. Agora que já se sabe que a ordem para transferir os 500 milhões de dólares partiu de José Eduardo dos Santos, o passo a seguir, segundo o jurista, é saber se a ordem é lícita ou ilícita e se está no âmbito das atribuições do Banco Nacional de Angola fazer as coisas do jeito que foram feitas.

“Porque, como se sabe, o gestor das finanças públicas é o Ministério das Finanças, que é o representante das finanças do Estado”, salientou o académico, tendo acrescentado que o BNA é apenas a autoridade de depósito bancário do Estado. “Coloco-me a dúvida e até acho que nenhuma norma me vai responder positivamente, se o BNA tinha, efectivamente, essa competência para o fazer”, indagou. A autoridade que devia intervir neste acto, havendo licitude, esclarece Albano Pedro, seria o ministro das Finanças.

Em rigor, precisou o jurista, os actos praticados pelo Presidente da República, não importando a sua natureza, quando formais, devem ser publicados em Diário da República. “Terá de se procurar por este Diário da República, onde está registada a orientação dada pelo ex-Presidente da República ao ex-governador do BNA. Aqui reside a grande dor de cabeça do processo”, avalia o académico.

No entanto, referiu, hipoteticamente, que em caso de a ordem dada por José Eduardo dos Santos ser ilícita, sustenta, para Valter Filipe ser inocentado, terá de provar em Tribunal, também com documento, que antes de a executar alertou o ex-Presidente da República sobre a ilicitude do acto. 

Segundo Albano Pedro, o Código Penal em vigor no país, para essa situação, determina que, sempre que uma ordem dada por um superior hierárquico for ilícita, o subordinado tem o dever de o alertar e só deverá executá-la se o mesmo insistir.

“O Direito Penal diz que, em matéria de responsabilidade penal, em relações hierárquicas, o subordinado não responde se o superior hierárquico tiver insistido na execução de uma ordem ilícita, mesmo depois de ser alertado”, salientou. 

Para Albano Pedro, se se provar que o acto praticado não foi formal e nem esteve revestido de fundamentos legais e, ao invés disso, tratou-se de uma ordem ilícita, significará, então, que houve uma comparticipação, pois partir-se-á do princípio que o ex-governador sabia e ainda assim o executou.

Perante tal cenário, sustentou, os dois passam a ser cúmplices e, com isso, responsabilizáveis.

Uma vez blindado de imunidade constitucional, em contrapartida, José Eduardo dos Santos acabará impune do processo do qual não é arguido, deixando Valter Filipe com o ónus da culpa, por ter sido a pessoa que executou o acto ilícito. “As pessoas questionam-se se essa imunidade do ex-Presidente da República é permanente.

É evidente que sim. A CRA estipula que o Presidente da República não responde pelos actos praticados no exercício das funções. Nem que passem anos. Ele não responde”, aclarou. O jurista disse que a análise que faz em relação a Valter Filipe é extensiva aos demais réus envolvidos no processo, com destaque para Zenu dos Santos.

Segundo o Jornal de Angola, citando Albano Pedro, no caso de ficar provado que os réus cometeram os crimes de que são acusados poderão apanhar penas superiores a 12 anos. Esclareceu que, em princípio, os valores em causa, por si só, já indiciam as penas. “Valores que estão à volta de 500 milhões de dólares implicam sempre penas acima de 12 anos de prisão. Tenho dúvida de que haverá pena menor do que essa”, frisou.

Já em relação ao cumprimento ou não das famosas “ordens superiores”, o jurista Inglês Pinto, por outro lado, considerou ser necessário “dizer não às ordens ilegais”.

Para Inglês Pinto, é fundamental que se crie, na sociedade angolana, a cultura de se dizer não ao cumprimento de ordens superiores que violem grosseiramente a lei e põem em causa direitos fundamentais. No caso de insistência do superior hierárquico, para que a ordem seja cumprida, defende o antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, citado também citado pelo Jornal de Angola, o gestor tem de ter a coragem de colocar o cargo à disposição, com todas as consequências inerentes a essa posição.

“Temos de ter essa coragem política. Tem o seu preço, um preço pesado, mas é sempre melhor, porque fica-se à vontade e com a consciência tranquila”, salientou o advogado. Em relação à legalidade ou não do acto praticado por Valter Filipe, Inglês Pinto disse ser da competência do juiz da causa avaliar e ver se o mesmo foi praticado de boa fé.

Assim sendo, o jurista disse que quando a orientação tem toda a legitimidade e legalidade afasta a responsabilidade do acusado, mas quando há violação grosseira da lei, é difícil afastar responsabilidade. “Não acredito que o ex-Presidente da República tivesse a intenção grosseira e dolosa de violar as normas e as leis. Mas é possível, pois, como homem, está sujeito a falhas. Nenhum santo, apesar de o seu nome ser Santos, nem um Deus, está isento de errar”, disse.