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Mudança de rumo no Brasil

Jorge Gonçalves
3/1/2023
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Foto:
DR

O novo ciclo da vida política brasileira e o processo de transição de lideranças abrem perspectivas de mudança na política social, no desenvolvimento económico e no posicionamento internacional.

A administração Bolsonaro concentrou-se na liberalização económica, no objectivo de crescimento da riqueza nacional e no mercado de emprego, linhas de orientação que tiveram um relativo sucesso, apesar dos constrangimentos gerados pela crise pandémica e pela guerra na Europa, um dos principais mercados de exportação do Brasil.

Esta orientação assumida desprotegeu outras dimensões sociais do crescimento e do desenvolvimento, atingindo os factores de coesão social e regional do país, secundarizando as políticas de protecção dos cidadãos e a disponibilidade dos serviços públicos, como os da saúde, do sistema escolar e da formação.

O combate à pandemia foi disso exemplo e constituiu um dos vectores críticos da gestão do Presidente Bolsonaro.

Os brasileiros decidiram pela mudança, conferindo a vitória na eleição presidencial a Lula da Silva e reforçando a natureza conservadora do Congresso, desafiando a capacidade de consensualização e concertação das instituições – Governo Federal e Congresso – que permita a governabilidade do país.

Do ponto de vista político, a gestão deste desalinhamento de representação institucional poderá ser o maior desafio que se colocará ao Presidente Lula e à sua invocada intenção de reorientar as políticas sociais e reformar as instituições. Tudo dependerá da sua capacidade de cativar os sectores menos radicais da direita conservadora no Congresso, identificada com Bolsonaro, de estabelecer prioridades estratégicas que possam ceder em questões menos essenciais e dar garantias de um governo forte, competente e reconhecido.

Pacificação social

O risco político mais sério, creio, é o de haver a tentação de transferir para o Congresso e para as restantes instituições do Estado brasileiro (entre as quais as de segurança e da administração pública) o fervor das ruas e a reacção à derrota que os apoiantes de Bolsonaro ensaiaram no período pós-eleições. O radicalismo mais acentuado não parece ter força política suficiente para inviabilizar a concertação política e a governabilidade do Brasil, que tanto se temeu no contexto das eleições.

Alcançada a estabilidade institucional e política e a governabilidade com políticas reformistas, embora eventualmente limitadas, que perspectivas se colocam noutras dimensões à liderança de Lula nos próximos anos?

Uma delas será a pacificação social e o combate à conflitualidade, mobilizando recursos para continuar a retirar os cidadãos dos níveis de pobreza acentuada, garantir equidade no estado social brasileiro e permitindo o acesso a bens públicos essenciais a todos os cidadãos e não apenas aos que detêm recursos.

As fracturas sociais, culturais, ideológicas ou regionais só se ultrapassam com sentido de justiça na repartição dos recursos públicos e na aposta de uma ideia de Nação, que se coloca acima das tensões. A personalidade política e a formatação de valores que Lula da Silva permitem pensar que será esse um dos seus desígnios, para um país cansado da tensão confrontativa em que viveu.

As reformas sociais exigem, no entanto, que as economias gerem recursos bastantes que as viabilizem. O empobrecimento é inimigo das reformas.

Os dados das previsões da evolução da economia brasileira indicam que, depois de uma relativa aceleração do crescimento na primeira metade de 2022, se iniciou um ciclo menos dinâmico que aponta para um abrandamento significativo neste ano de 2023. As projecções de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro indicam, no entanto, que haverá uma evolução positiva provavelmente já em 2024, o que permite olhar com um relativo optimismo para a evolução do quadro macroeconómico do país a partir dessa fase.

É evidente que o crescimento da economia brasileira, com um forte sector exportador, sofreu com a redução da procura dos seus mercados tradicionais nos períodos críticos da pandemia e do conflito na Ucrânia.

O Brasil é um dos grandes produtores e exportadores de matérias-primas primárias, de que são exemplo a agro-pecuária e os minérios, que se dirigem, na ordem dos 68%, para mercados de grande consumo como a China, Estados Unidos, União Europeia, países asiáticos e os do MERCOSUL. Qualquer flutuação da procura nestes mercados, resultante de causas não controláveis como as que ocorreram desde 2019, projecta impactos negativos no desempenho da economia brasileira.

O novo Governo poderá contar com essa redinamização económica que as projecções assinalam.

Leia o artigo completo na edição de Janeiro, já disponível no aplicativo E&M para Android e em login (appeconomiaemercado.com).

Changing course in Brazil

The new cycle of Brazilian political life and the leadership transition process open perspectives for change in social policy guidelines, economic development strategy and Brazil's positioning in the international order.

The Bolsonaro administration focused on economic liberalization with the objective of increasing national wealth and providing jobs, a strategy that was relatively successful despite the constraints generated by the pandemic and the war in Europe, one of Brazil’s main export markets.

This assumed objective did not protect other social dimensions of growth and development, affecting the country's social and regional cohesion factors, relegating policies to protect citizens and the availability of public services, such as health, the school system and training.

Combating the pandemic was an example of this and constituted one of the most criticized aspects of President Bolsonaro’s management.

Brazilians voted for change, granting victory in the presidential election to Lula da Silva and reinforcing the conservative nature of Congress, challenging the ability of institutions – the Federal Government and Congress – to achieve consensus and compromise, which would allow for the country’s governance.

From a political point of view, managing this misalignment of institutional representation could be the greatest challenge facing President Lula and his invoked intention to reorient social policies and reform institutions. Everything will depend on its ability to captivate the less radical sectors of the conservative right in Congress identified with Bolsonaro, to establish strategic priorities that can compromise on less essential issues and provide guarantees of a strong, competent and recognized government.

Social pacification

The most serious political risk, I believe, is that of the temptation to transfer to Congress and to the other institutions of the Brazilian State (including security and public administration) the fervor of the streets and the reaction to the defeat that the Bolsonaro supporters unleashed in the post-election period. The most accentuated radicalism does not seem to have enough political strength to render unfeasible political consensus and governability in Brazil, which was so feared in the context of the elections.

Once institutional and political stability and governability have been achieved with reformist policies, although eventually limited, what perspectives are there in the other dimensions of Lula's leadership in the coming years?

One of them will be social pacification and the fight against conflict, mobilizing resources to continue to lift citizens out of severe poverty levels, guarantee equity in the Brazilian social state and allow access to essential public goods for all citizens and not just those who hold resources.

Social, cultural, ideological or regional fractures can only be overcome with a sense of justice in the distribution of public resources and in the commitment to an idea of the Nation, which is placed above tensions. The political personality and formatting of values that Lula da Silva conveys allow us to think that this will be one of his designs, for a country tired of the confrontational tension in which it lived.

Social reforms require, however, that economies generate enough resources to make them viable. Impoverishment is the enemy of reforms.

Data from forecasts for the evolution of the Brazilian economy indicate that, after a relative acceleration of growth in the first half of 2022, a less dynamic cycle began, which points to a significant slowdown in 2023. Gross Domestic Product growth projections for the Brazilian market indicate, however, that there will be a positive outlook possibly as early as 2024, which allows one to look with relative optimism at the development of Brazil's of the macroeconomic framework from that phase onwards.

It is clear that the growth of the Brazilian economy, with a strong export sector, suffered from the reduction in demand from its traditional markets in the critical periods of the pandemic and the conflict in Ukraine.

Brazil is one of the major producers and exporters of primary raw materials, such as agriculture, livestock and ores, which are directed, in the order of 68%, to markets of great consumption such as China, the United States, the European Union, Asia and Mercosur countries. Any fluctuation in demand in these markets, resulting from uncontrollable causes such as those that have occurred since 2019, negatively impact the performance of the Brazilian economy.

The new government will be able to count on economic revitalization indicated by recent projections indicate.

Read the full article in the January issue, now available on the E&M app for Android and at login (appeconomiaemercado.com).