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Nova realidade, novos conflitos

Justino Pinto de Andrade
11/5/2020
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Foto:
DR

Segundo Daniel Bell, o desenvolvimento económico, a elevação dos níveis dos rendimentos dos trabalhadores e o Estado de Bem-Estar Social levariam ao esbatimento dos conflitos de classes.

1. O termo “sociedade pós-industrial” é atribuído ao sociólogo norte-americano Daniel Bell, professor emérito da Universidade de Harvard, falecido em 2011, que o consagrou na sua obra The Coming of Industrial Society: A Venture in Social Forecasting, 1973. Para o sociólogo, a “sociedade pós-industrial” é marcada pelos seguintes parâmetros:

i) Rápido crescimento do sector de serviços, em oposição ao sector manufactureiro;

ii) Rápido aumento das tecnologias de informação (Era da Informação);

iii) Economias dominadas pelo conhecimento e criatividade.

2. Disse ainda Daniel Bell que, com a emergência da “sociedade pós-industrial”, esgotar-se-iam as grandes ideologias de matriz humanista, nascidas no século XIX:

i) Os movimentos sindicais;

ii) Os socialismos utópicos de Saint-Simon e Charles Fourier, em França;

iii) As teorias anarquistas do russo Mikhail Bakunin e do francês Pierre-Joseph Proudhon;

iv) As correntes do socialismo revolucionário, superiormente representado pelos alemães Karl Marx e Friedrich Engels;

v) O reformismo cristão do padre francês Robert Lamennais, que propunha a humanização do capitalismo, de que resultaria uma sociedade de justiça social;

vi) O pensamento renovador cristão desenhado pelo Papa Leão XIII, em 1891, na “Encíclica Rerum Novarum”, movimento social cristão que se prolongou no século XX, unido às facções moderadas do movimento socialista.

3. Segundo Daniel Bell, o desenvolvimento económico, a elevação dos níveis dos rendimentos dos trabalhadores e o Estado de Bem-Estar Social levariam ao esbatimento dos conflitos de classes. Num capitalismo desenvolvido, as ideologias perderiam a sua funcionalidade e o seu carácter mobilizador. Prevaleceria o consenso, combinando a democracia representativa com o desejo de prosperidade económica, por via da economia de mercado.

4. Para Alan Touraine, sociólogo francês - felizmente ainda vivo, embora envelhecido - longe de extinguir os conflitos, como afirmara Daniel Bell e outros teóricos da ideia do fim dos conflitos e do “fim da história”, a “sociedade pós-industrial” generaliza-os.

5. Em recente entrevista, Alan Touraine afirmou, taxativamente, que a radicalização dos conflitos, gerando desemprego e miséria, poderá conduzir à emergência dos fascismos.

6. Olhando para o quadro actual da humanidade, sob “ataque” desencadeado por um “exército invisível” — a “Covid-19” —, devastando todas as sociedades e economias, não estarão sendo criadas as condições para que forças profundamente totalitárias se procurem impor em muitos países, capazes de desencadear conflitualidades em grande escala?

7. Revisitemos, por exemplo, o clima social, económico e político que antecedeu a implantação do fascismo em alguns dos mais importantes países no mundo, e que levaram à eclosão da II Guerra Mundial:

i) O “Tratado de Versalhes” que simbolizou o fim da I Guerra Mundial, com a humilhação da Alemanha derrotada, obrigada a pagar indemnizações pelos prejuízos causados aos seus adversários, a perda de partes do seu território a favor de nações fronteiriças, restrição ao tamanho das suas forças militares, perda das suas colónias em África e nos Oceanos, reconhecimento da Independência da Áustria;

ii) A partir de 1929, uma crise económica que se abateu sobre o sistema capitalista mundial;

iii) A ascensão de Adolfo Hitler ao poder na Alemanha, em 1933, muito por causa de uma profunda crise política externa e interna;

iv) A Guerra Civil Espanhola.

8. Ainda é cedo para perspectivarmos um futuro quadro para a humanidade, mas de uma coisa estou certo: emergirá, sim, uma realidade muito distinta da actual, com particularidades e um séquito de conflitos a ela associados...