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Regime cambial flutuante: os prós e os contras

Pedro Fernandes
19/10/2018
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Foto:
DR

O tema da valorização da moeda nacional, o kwanza, tem provocado diversas discussões desde há algum tempo.

Para os mais cépticos, a combinação do défice nas Reservas Internacionais Líquidas com o agravamento no custo de vida e a escassez de divisas para os importadores torna a alteração do regime cambial fixo para o flutuante numa má medida.

A alteração do regime cambial fixo para o flutuante tem suscitado, desde o anúncio da sua adopção no mercado nacional, discussões e trocas de ideias a todos os níveis da sociedade, sempre sob um cenário de incerteza quanto aos resultados desta decisão. Porém, há um pormenor claro: a alteração da política cambial levou à depreciação da moeda angolana, o kwanza, face ao euro (em torno de 10%) e ao dólar norte-americano (em torno de 9%), naquela que foi a primeira desvalorização em quase dois anos.

A Economia & Mercado (E&M) ouviu Galvão Branco, economista, e Jonísio Salomão, técnico oficial de contas, para procurar clarear os aspectos que envolvem este tema e criar cenários prováveis resultantes da aplicação do regime cambial flutuante. Primeiro, os entrevistados listaram aquilo a que chamam “vantagens do câmbio flutuante” e apresentaram-nas em quatro pontos: 

• Não há necessidade de gestão internacional das taxas de câmbio – ao contrário do que acontece com as taxas de câmbio fixas, baseadas num padrão metálico, o câmbio flutuante não necessita de um gestor internacional, como o Fundo Monetário Internacional, para olhar sobre os desequilíbrios em conta corrente. Sob o sistema de flutuação, se o país tiver grandes défices em conta corrente, a moeda deprecia-se;

• Não há necessidade de intervenções frequentes do banco central – os bancos centrais devem intervir frequentemente nos mercados cambiais sob o regime de câmbio fixo para proteger a paridade dólar-ouro, mas tal não é o caso sob o regime flutuante. Aqui não há qualquer paridade a defender;

• Não há necessidade de restrições de fluxo de capital elaborado – é difícil manter a paridade intacta num regime de câmbio fixo, enquanto os fluxos de carteira se movem dentro e fora do país. No regime de câmbio flutuante, os fundamentos macroeconómicos do país afectam a taxa de câmbio nos mercados internacionais, o que, por sua vez, afecta os fluxos de carteira entre os países.

• Maior isolamento dos problemas económicos de outros países – sob um regime de taxa de câmbio fixa, os países exportam problemas macroeconómicos para outros países.

Jonísio Salomão refere que, a partir de agora, a taxa de câmbio passa a ser determinada pelas variáveis da procura e da oferta, dentro de um intervalo determinado, com uma taxa de câmbio mínima e máxima, também conhecida como banda cambial. É no último pormenor, a banda cambial, que se encontra o cerne da questão, segundo o especialista.

Para o técnico oficial de contas, o facto de o Banco Nacional de Angola (BNA) não divulgar oficialmente a banda levanta uma série de dúvidas. “Isto remete-nos para uma nova questão.

Como ficam as pessoas que procuram as divisas no mercado formal – instituições financeiras e bancos? Estas apenas saberão a taxa de câmbio em vigor quando pretenderem adquirir divisas junto das instituições financeiras, mas as taxas poderão estar, em muitos casos, acima da taxa em vigor”, refere.

Este ponto encabeça a lista de elementos “desvantajosos” da adopção do regime cambial flutuante elencados pelos dois entrevistados, designadamente:

• Maior volatilidade – o câmbio flutuante é altamente volátil. Além disso, os fundamentos macroeconómicos não podem explicar a volatilidade, especialmente no curto prazo, no regime de câmbio flutuante;

• Utilização de recursos escassos para as taxas de câmbio – a maior volatilidade nas taxas de câmbio aumenta as dificuldades de gestão dos recursos disponíveis para adquirir divisas.

Portanto, alocam-se recursos substanciais para prever as mudanças na taxa de câmbio, num esforço para gerir a sua exposição ao risco de alteração da taxa de câmbio;

• Tendência para agravar os problemas existentes – o câmbio flutuante pode agravar os problemas existentes na economia. Se o país já está a enfrentar problemas económicos, como inflação ou desemprego, a taxas flutuantes de câmbio podem piorar a situação.

“Por exemplo, se o país sofre de uma inflação já elevada, a depreciação da sua moeda pode conduzir a uma taxa de inflação ainda mais alta devido ao aumento da demanda por bens.

No entanto, as contas correntes do país também podem piorar devido às importações mais caras”, explica Jonísio Salomão. E a economia angolana é propensa a este cenário. Segundo este entrevistado, o país sobrevive às custas das importações e, como tal, tem uma forte apetência para a moeda externa (divisas), o que, neste caso, o torna vulnerável e enfraquece a moeda nacional. “A ausência de cambiais e as alterações cambiais criam distorções e recentemente vivemos tal cenário, com a subida generalizada dos preços, tendo as taxas de inflação atingido mais de 30%”, recorda.

Leia mais na edição de Fevereiro de 2018.

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