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“Um dos grandes desafios da agricultura é a o seu baixo nível de produtividade e competitividade”

Cláudio Gomes
9/12/2022
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Foto:
Carlos Aguiar

Um dos principais desafios da agricultura tem a ver com o nível de conhecimento e das tecnologias utilizadas nos processos produtivos, disse o agrónomo Castro Camarada, à Economia & Mercado.

Para o doutorado em Sistemas de Agricultura pela University of Reading no Reino Unido, são vários os factores que contribuem para o baixo nível de produtividade e competitividade, mas refere que um dos principais tem a ver com o nível de conhecimento e das tecnologias utilizadas nos processos produtivos, que no seu entender, no geral, ainda são “muito rudimentares”.

Respondendo à Economia & Mercado, o também mestre em Desenvolvimento da Agricultura Tropical sugere pacotes de crédito mais flexíveis e adequados ao contexto e à realidade dos actores no sector produtivo; a implementação de sistemas de regulação e controlo da sanidade animal e vegetal, bem como de padrões de qualidade dos produtos, entre outras, anunciadas abaixo.

Que avaliação se lhe oferece fazer sobre o sector agrícola passados cinco anos?

Uma correcta avaliação requere números. Não estou na posse dos últimos números, oficiais (INE) sobre crescimento sectorial sendo assim difícil ser preciso na avaliação. No entanto e de acordo com dados de 2021, citados pelo Jornal Expansão, o sector Agro-pecuário registou um crescimento estimado em 5%. A meta da SADC é de crescimento de pelo menos 6% ao ano. Agora em termos daquilo que é a minha percepção tem-se registado um maior dinamismo no sector por parte dos vários actores sejam famílias como grandes produtores comerciais. A agricultura (e aqui refiro-me no seu sentido lato incluindo pecuária, florestas e afins) e o agronegócio fazem agora, certamente, parte do discurso político e vai-se ganhando maior percepção do valor económico e multidimensional do grande gigante há muito adormecido. A percepção de que se trata de um grande negócio vai crescendo e é notório o esforço e engajamento dos agricultores e pecuaristas, um pouco por todo País, apesar dos grandes desafios que ainda se colocam para que seja mais rentável.

Quais são os factores fracturantes na cadeia produtiva nacional e que seja passível de maior e melhor atenção no novo quinquénio?

Um dos grandes desafios da Agricultura, no actual contexto, é a o seu baixo nível de produtividade e competitividade. São vários os factores que para tal contribuem. Um dos principais tem certamente a ver com o nível de conhecimento e das tecnologias utilizadas nos processos produtivos, no geral muito rudimentares. Naturalmente há excepções, por parte das poucas grandes empresas, pois estas podem recorrer ao mercado para a obtenção de know-how e tecnologias modernas mas a maior parte dos produtores tem limitações. O outro aspecto e que tem implicações na competitividade são os elevados custos de produção que por sua vez são consequência de uma agricultura suportada em grande medida por importações de factores de produção. A deficiente infra-estrutura de transportes e comunicações acaba também encarecendo os custos de transacção dos produtos agro-pecuários. Sendo estes alguns dos obstáculos haveria que se trabalhar no desenvolvimento de estratégias e acções concretas para gradualmente removê-los.

É preciso enveredar por um processo de transformação e modernização da agricultura, com base em desenvolvimentos científicos e tecnológicos, para se poder elevar a produtividade.

O que lhe diz a Reserva Estratégica Alimentar (REA)?

O conhecimento que tenho sobre a REA não é detalhado, mas entendo que esta tem fundamentalmente um papel de regulação/estabilização dos preços dos principais produtos da cesta básica no mercado. Creio que a avaliar pela situação que era prevalecente há meses atrás ela terá cumprido com o seu papel de induzir a uma redução de preços, dos produtos da cesta básica, por via das importações. Reservas deste género costumam ser criadas com vários fins, há casos em que servem para prevenir da volatilidade de preços em situações de crises temporárias para garantir a segurança alimentar das populações. Também há exemplos em que Países criaram tais reservas em forma monetária, isto é de cabimento orçamental, pronto a ser mobilizado para efectuar aquisições quando necessário e não necessariamente reserva física, devido aos custos de manutenção. As aquisições podem ser feitas tanto no mercado externo como interno.

Em que medida a REA seria uma “mola impulsionadora” para o sector produtivo nacional, tendo em conta a função catalisadora ou de absorção da produção que lhe conferida?

Na sequência do que referi anteriormente a REA pode também cumprir este objectivo de impulsionar, estimular, incentivar investimentos na produção interna por via de um mecanismo de aquisições de produtos no mercado interno. Aqui a questão crítica é o estabelecimento do preço de referência dos produtos no mercado interno.

Normalmente costuma usar-se como referência a paridade do preço de importação e exportação de determinado produto. Ainda nesta senda, e por uma questão de política e visando maior abrangência, a REA pode  também incentivar mecanismos de agregação da produção, por parte do pequenos produtores, associações e cooperativas,  para que as aquisições tenham a escala suficiente e para que o impacto se faça sentir numa gama mais ampla de produtores - que naturalmente inclui os grandes produtores comerciais. A título de exemplo há também casos em que as REA´s foram utilizadas para direcionar as aquisições no sentido de promover determinados sistemas produtivos por questões estratégicas. Este exemplo foi para ilustrar que de facto uma REA pode cumprir várias funções dependendo dos objectivos pretendidos.  

A REA vai comprar até 30% da produção agrícola local dos 11 produtos legíveis. Acha que esta cifra responde a oferta dos produtores locais? Porquê?

Precisamos de saber quais o últimos números da produção interna dos produtos da cesta básica. Mais uma vez aqui a necessidade das estatísticas. Há certamente produtos na cesta básica cuja produção local é limitada e aquém da demanda tais como farinha de trigo, óleo vegetal, açúcar, arroz, entre outros, mas outros como o sal, farinha de milho e outros, vão já registando aumentos nos níveis de produção local não sendo certo se já cobrem as necessidades ao nível do País.

Quanto mais produção interna for adquirida melhor até porque os objectivos da REA devem estar alinhados com os objectivos de substituição das importações, do PRODESI, e com os de outras políticas visando o incentivo da produção interna. Há que procurar sempre um alinhamento dos vários instrumentos de política visando o objectivo estratégico principal definido.

Há que não perder de vista que as importações representam sempre exportação de Capital e Empregos par os Centros de Produção no exterior. Faz mais sentido investi-los internamente.

Um adequado programa de aquisições internas a preços adequados pode funcionar como estímulo à produção e portanto é de esperar-se um aumento na percentagem referida, especialmente no caso de produtos para os quais existem vantagens comparativas na sua produção local.

Considera ser oportuno a criação de reservas de sementes e fertilizantes visando fazer cobro a procura e prevenir a escassez no mercado internacional?

Como medida de emergência temporária talvez sim, mas no médio e longo termo penso que não. Relativamente a sementes acho que é fundamental a promoção e incentivos aquilo a que chamaria uma Indústria Nacional de Sementes. A semente é um dos factores de produção mais críticos e através da qual se podem conseguir impressionantes aumentos de produtividade das culturas agrícolas. Ela transporta o código genético e claro que não sendo suficiente por si só é dos factores mais determinantes. Importar e conservar sementes é um exercício oneroso, requer adequadas condições de armazenamento. Armazenar semente não é o mesmo que armazenar grão. Naturalmente que pode ser feito se a situação assim o exigir. Precisamos de Empresas de Produção de Sementes, a exemplo dos Jardins da Yoba que já vão fazendo um trabalho assinalável. São necessárias mais empresas do género em várias regiões do País e a sua promoção e apoio é o caminho a seguir. As instituições de investigação, nacionais e internacionais, têm também aqui um papel fundamental a jogar. Com relação à Agricultura de menor escala, e mesmo incluindo pelas Associações e Cooperativas, podem também ser implementados bancos de sementes de nível local. O subsector de Sementes é um segmento que precisa de atenção e de ser desenvolvido. Claro que na ausência de produção local há que recorrer às importações.

Relativamente a fertilizantes e antevendo-se uma situação de volatilidade nos preços dada a conjuntura nos Países Produtores e as tendências no mercado Internacional pode ser oportuna a criação de reservas, sobretudo quando os tempos de importação e disponibilidade dos mesmos possam ser longos afectando negativamente os “timings” do Ano Agrícola. Claro que como referi anteriormente apenas como medida de emergência de curto prazo, pois que a real solução de médio-longo prazo é a produção local de fertilizantes.  

Que medidas são indispensáveis para se estimular e impulsionar o sector produtivo nacional?

As medidas de apoio e visando a criação de um ambiente mais adequado são várias e de carácter diverso cobrindo “hardware e software”, isto é, necessidades infra-estruturais e de capital humano e iria resumi-las nos seguintes moldes: Incentivo ao Ensino Agrário nos mais variados níveis com destaque para escolas de formação de técnicos e gestores habilitados no “saber fazer”; desenvolvimento da investigação agrária sem a qual o progresso é limitado; promoção da indústria de factores de produção (Sementes, Máquinas Agrícolas, Pesticidas, Fertilizantes, Vacinas, Rações, Equipamentos de Rega e afins); programas de fomento visando infra-estruturas rurais, como sejam a construção de vias de acesso de ligação aos mercados, albufeiras de armazenamento de água, pequenos esquemas de rega, silos de armazenamento de grão, equipamentos de agro-processamento etc. ao nível dos municípios (uma espécie de plano de apoio á produção local).

Igualmente, pacotes de crédito ao sector produtivo mais flexíveis e adequados ao contexto do País e à realidade dos actores no sector produtivo; implementação de sistemas de regulação e controlo da sanidade animal e vegetal bem como de padrões de qualidade dos produtos; regularização célere dos processos de posse de terra dos produtores; modernização dos sistemas produtivos e de informação de mercado, dos produtos agrícolas, com o uso de tecnologia digital e com assinalável impacto na agricultura familiar, tenho de referir o positivo exemplo de disseminação de tecnologias e conhecimento que vai sendo feito, por via das chamadas Escolas de Campo – uma metodologia promovida pela FAO - através de programas apoiados por Organizações Internacionais. No entanto, tal intervenção tem uma abrangência limitada e precisa de ser consideravelmente “escalada” para poder produzir impacto assinalável. Mas haverá certamente outros aspectos relevantes sendo que os indicados acima me parecemos fundamentais.

Castro Paulino Camarada é PhD em Sistemas de Agricultura pela University of Reading no Reino Unido, fez vários trabalhos de consultoria para entidades nacionais e internacionais, chegando a coordenar um projecto de apoio ao processo de reforma do sector Agrário em Angola no Ministério da Agricultura.

Em 2000, foi nomeado Representante da FAO na Libéria, tendo, posteriormente, servido como representante do organismo da Organização das Nações Unidas (ONU) em vários Países, entre os quais o Lesoto, Quénia, Moçambique e Etiópia. Este último, por exemplo, desempenhou, simultaneamente, as funções de Representante no País, Coordenador Sub-Regional para África Oriental (8 Países da Comunidade da África Oriental) e Representante da FAO junto da União Africana (UA) e da Comissão Económica Africana (ECA) em Addis Abeba.

Leia mais sobre o sector produtivo nacional na edição de Outubro da Economia & Mercado disponível nas superfícies comercias.