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Estados Unidos juntam-se a Alemanha e França e devolvem ‘tesouros’ de artes africanas

Victória Maviluka
10/2/2024
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Foto:
DR

Tema sobre a recuperação de artes africanas espalhadas pelo mundo desde o período colonial ganhou mediatização nas últimas décadas. África 'carrega' no processo.

É um dossiê ainda com resquícios de resistência, mas a que os países africanos ‘não largam mão’. A recuperação de artes africanas espoliadas do continente no período de colonização e ‘perdidas’ pela Europa e América registou mais um desfecho favorável: nesta semana, os Estados Unidos procederam à entrega de artefactos arrancados há mais de 150 anos dos grupos étnicos do Gana.

Jóias de ouro, cadeira ornamental e chicote com cauda de elefante fazem parte do leque de sete artefactos entregues, na quinta-feira, 08, pelo Museu Fowler da Universidade da Califórnia ao rei Ashanti, do Gana, Otumfuo Osei Tutu II.

No acto de apresentação destes tesouros ganenses, numa celebração que teve lugar no Palácio Manhyia, na cidade de Kumasi, Otumfuo Osei Tutu II observou, citado pela Lusa, que esperava que a devolução das artes unisse o povo Ashanti, um dos principais grupos étnicos do Gana.

Trata-se do segundo acto do género envolvendo autoridades norte-americanas num intervalo de quase um ano. No início de 2023, recorde-se, os Estados Unidos devolveram, de forma simbólica, na cidade do Cairo, capital do Egipto, uma importante peça da antiguidade egípcia, saída de África para a Alemanha e, posteriormente, traficada para os Estados Unidos.

Especialistas referem que o Sarcófago Verde, uma peça extraordinária que estava exposta no Museu de Ciências Naturais de Houston, data de uma dinastia final do período do Antigo Egipto, cerca de 2.700 anos, escreveu, na altura, o Novo Jornal. 

A publicação reportou que a arte, cuja origem é uma necrópole no norte do Cairo denominada Abu Sir, foi alvo de disputa judicial num tribunal nos EUA, com decisão favorável à sua devolução. 

Um processo irreversível para África

O tema sobre a devolução de obras de arte africanas espalhadas pelo mundo desde o período colonial ganhou mediatização nas últimas décadas, com políticos e agentes culturais africanos a abrirem uma frente para o regresso ao continente de máscaras, artefactos, bonecas, enfim, objectos do uso quotidiano da cultura e tradição africana.

Com a elevação de Emmanuel Macron a Presidente da França, a ex-potência colonial deu passos flexíveis quanto à devolução aos países africanos de artes expostas em museus franceses, tirados à força de África durante a colonização.

“Restituir essas obras à África é dar aos jovens africanos acesso à sua cultura. (...) Precisamos de ser honestos connosco mesmos. Houve pilhagem colonial, é absolutamente verdade", admitiu Macron, num encontro, em 2021, na cidade de Montpellier, com figuras culturais africanas.

Foi, aliás, na esteira destas declarações do Presidente francês que, no mesmo ano, aquele país europeu devolveu ao Benin, numa cerimónia solene, 26 obras de arte, que fazem parte do "tesouro real de Abomey", espoliadas no século XIX pelas tropas coloniais.

“É um momento histórico de orgulho nacional", reagiram, na ocasião, as autoridades beninenses à entrega, no Palácio do Eliseu, em Paris, de peças como estátuas do antigo reino de Abomey e o trono do rei Béhanzin, retirados do Palácio Real do país africano por tropas francesas, há 130 anos.

Artefactos nigerianos regressaram mais de 100 anos depois

À luz do crescente ímpeto para a recuperação de artefactos africanos de ex-potências coloniais como a Alemanha, Grã-Bretanha, França e Bélgica, em 2022, a Nigéria viu retornar 20 artefactos tirados nas expedições militares britânicas ao território do antigo Reino do Benin.

As artes foram devolvidas pela Alemanha, que considerou a medida como forma de "corrigir um erro", registado no processo de colonização em África.

Milhares de placas de metal, esculturas e objectos dos séculos XVI a XVIII — aclamados como algumas das melhores obras de arte africana — foram espoliadas por forças britânicas no antigo Reino do Benin e acabaram em museus e colecções de arte nos Estados Unidos e na Europa.

Fundação Dokolo, o rosto da causa em Angola

Em 2018, Angola anunciou a recuperação de seis peças do Museu do Dundo, que estavam ‘perdidas’ em Bruxelas, capital da Bélgica, após terem sido levadas do País durante a guerra civil em Angola. 

O processo de recuperação de artefactos angolanos como um cadeirão do chefe ‘chokwe’, um cachimbo adornado com uma cabeça humana, uma taça para cozinhar mandioca, um pequeno banco circular, uma máscara de madeira maciça de cor vermelha e uma máscara ‘chokwe’ foi conduzido pela Fundação Sindika Dokolo, que tinha à testa o falecido empresário e coleccionador de artes Sindika Dokolo, congolês democrata que se casou com a empresária angolana Isabel dos Santos, primogênita do falecido Presidente José Eduardo dos Santos.

Com a morte de Dokolo, em 2020, pouco ou nada tem ‘respirado’ para o público sobre a agenda de Angola em relação à recuperação de peças da sua cultura espalhadas pela Europa e América.

"Não há pedido [de países africanos] de devolução" de artes por Portugal

O ministro da Cultura de Portugal afirmou, em Março do ano passado, que as autoridades do seu país não receberam nenhum pedido para a devolução de obras de arte africanas expostas nos museus portugueses desde o período colonial. 

"Não há nenhum pedido de devolução", declarou Pedro Adão e Silva, que, questionado pela DW sobre uma eventual restituição de artes africanas retiradas do continente durante a colonização, observou que o existe é "uma reflexão, e só isso".

"A questão não se coloca, não há nenhum processo [de devolução], no sentido que é uma reflexão. Todos os países têm feito reflexões nesta matéria", referiu o ministro português da Cultura.