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Megalomania crónica

Sebastião Vemba
10/4/2023
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Foto:
Carlos Aguiar

Os assuntos hoje morrem em posts nas redes sociais, com sarcasmos ou memes sem graça, enquanto o bem público é mal gerido...

À beira do meio século de Independência nacional, continuamos a demonstrar, em vários sentidos, que não temos sido capazes de construir capacidades para resolução dos nossos problemas. Pelo contrário, repetidas vezes, as decisões e os actos políticos apontam para uma tendência irresistível aos mesmos erros, que nos atiram a ciclos viciosos, em que, aparentemente, deixamos perdemos alguma sensibilidade e noção de parcimónia, principalmente quando se trata de gestão financeira.

Contraímos uma megalomania crónica que nos venda os olhos e obstrui os ouvidos, impedindo-nos de perceber que o músculo financeiro não nos garante, necessariamente, capacidade de gestão, daí que investimentos em tecnologias de ponta sem pensar nos técnicos para as manusear; queimamos divisas em veículos de alta gama que vão circular em estradas esburacadas ou simplesmente juntam-se a frotas milionárias que “apodrecem” em condomínios de luxo que bloqueiam a vista para a Angola real, onde, na ausência de um sistema de transporte público – numa cidade em que a população cresce como cogumelos – as pessoas serão transportadas em veículos de carga, expondo-se a elevados riscos de risco, enquanto as autoridades policiais fazem olhos grossos ou intervém apenas no sentido de garantir a sua micha.

Num país com memórias fresquíssimas de apertos financeiros, que atiraram milhões de pessoas para pobreza extrema, levando para a rua crianças em idade escolar – onde ficaram expostas ao tráfego humano e à prostituição infantil - a opinião pública de nada serve. Infelizmente, os assuntos hoje morrem em posts nas redes sociais, com sarcasmos ou memes sem graça, enquanto o bem público é mal gerido, ou entregue à gestão estrangeira sem participação de recursos humanos locais para a devida transferência de competências e construção de capacidades locais. Ninguém é obrigado a negar o conforto de uma casa luxuosa ou de um carro topo de gama, mais ainda quando trabalha para tal. Entretanto, quando se merece a confiança alheia de quem não tem voz sonha há séculos com a sua vez (de receber pão à mesa e ser feliz por instantes), o conforto não nos pode distrair do compromisso de sempre defender o interesse colectivo.

Chronic megalomania

Issues today die on social network posts, with sarcasm or dull memes, while the public good is poorly managed…

On the verge of half a century of national independence, we continue to demonstrate, in many ways, that we have not been able to build capacities to solve our problems. On the contrary, decisions and political acts repeatedly point to an irresistible tendency to commit the same mistakes, which throw us into vicious cycles, in which, apparently, we lose some sensitivity and sense of parsimony, especially when it comes to financial management.

We succumb to a chronic megalomania that blinds our eyes and obstructs our ears, preventing us from realizing that financial muscle does not necessarily guarantee management capacity, hence the investments in cutting-edge technologies without thinking about the technicians that will need to operate them; we burn foreign currency in high-end vehicles that will circulate on bumpy roads or simply join millionaire fleets that "rot" in luxury condominiums that block the view of the real Angola, where, in the absence of a public transport system – in a city in which the population grows like mushrooms – people will be transported in cargo vehicles, exposing themselves to high risks, while the police turns a blind eye or intervenes only in order to guarantee their illicit tax.

In a country with very fresh memories of financial austerity, which threw millions of people into extreme poverty, and put school-age children on the streets – where they were exposed to human traffic and child prostitution – public opinion is of no use. Unfortunately, issues today die on social network posts, with sarcasm or dull memes, while the public good is poorly managed, or handed over to foreign management without the participation of local human resources for the proper transfer of skills and local capacity-building. No one is forced to deny the comfort of a luxurious home or a top class car, even more so when you work for it. However, when you deserve the trust of others who have no voice and have dreamed for centuries for their turn (to receive bread at the table and be happy for a moment), comfort cannot distract us from the commitment to always defend the collective interest.

Read the full article in the March issue, now available on the E&M app for Android and at login (appeconomiaemercado.com).