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Mulher no agro-negócio

Joaquina Dungue
9/3/2023
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Foto:
Isidoro Suka e D.R

Apesar das dificuldades, que vão desde a carência de insumos, matérias-primas ao acesso ao crédito, três mulheres, cuja história partilhámos aqui, viram, no agro-negócio, a forma reinventar-se.

Paula Bartolomeu é das poucas mulheres que operam no agro-negócio. Nem mesmo o volume dos desafios a inibiu para a “aventura” num subsector tradicionalmente controlado por homens. Formada em Direito, pela University of South Africa (UNISA), mestranda em Governação Local e Políticas Públicas pela Universidade Agostinho Neto, apostou no agro-negócio há mais de dois anos. Quem lê o seu perfil na rede social LinkedIn pode, precipitadamente, concluir estar-se perante uma técnica a operar fora da sua zona de conforto, mas não. Tem 23 anos de experiência em empresas internacionais e multinacionais e na gestão de um conjunto de processos administrativos, comerciais e de operações, nos sectores do Petróleo e Gás, de manufactura, logística, tecnologia de informação e sistemas de produção de energia eléctrica.

Paula Bartolomeu, agricultora

Em 2022, Paula Bartolomeu fez “inversão de marcha” e decidiu-se a investir 320 milhões Kz na Fazenda Maravilhosa, na localidade do Dondo, centro do município de Cambambe, província do Kwanza-Norte, cerca de 200 quilómetros de Luanda. Emprega 29 trabalhadores e, com eles, dedica-se à produção de maracujá, banana-pão, abacaxi, tomate, batata-doce, milho, melancia, abóbora, cebola, mandioca, pepino e pitaya, numa área total cultivada de 36 hectares (cada hectare equivale a um campo de futebol).  

“O negócio vai bem”, garante, e, por isso, tem previsto produzir, até 2024, 100 hectares de banana-pão, cuja área actual está limitada a seis Ha. Para maracujá, está previsto aumentar dos actuais quatro para 30 Ha.

A empresária conta que o interesse pelo agro-negócio nasceu da necessidade de diversificar a carteira de investimentos e encontrar negócios sustentáveis que permitissem estar menos refém das importações. Acrescenta que o mestrado em Governação Local e Políticas Públicas contribuiu na decisão de investir no “agro”.

Paula Bartolomeu, que tem Luanda como principal destino da sua produção, com realce para o mercado informal, explica as condições desafiantes em que trabalha, destacando o estado calamitoso das estradas, factor que onera a estrutura de custos. “É doloroso ver o estado das nossas estradas”, lamenta, acrescentando que os meios de transporte em Angola sofrem uma taxa de desgaste muito alta, o que força a “prática de preços muito altos dos produtos”.

Saiba mais sobre as adversidades do sector agrícola nacional em (17) (AO VIVO) V CONFERÊNCIA E&M SOBRE AGRICULTURA - YouTube

A par do “péssimo” estado das estradas, o risco de vida a que estão expostos os camionistas pela falta de sinalização foi outro constrangimento apontado pela empresária. “Precisamos de investimentos na malha ferroviária do nosso país. As linhas férreas, pela sua capacidade enorme de transportar mercadorias, têm um custo menor. É o meio de transporte mais viável em termos de preços”, defende.

Da subsistência à ciência

A sua sensibilidade às ciências permitiu que Paula Bartolomeu identificasse que o principal ponto de estrangulamento na hercúlea tarefa de tornar o país auto-suficiente em matéria alimentar consiste na fraca aposta em soluções científicas. “Estamos a sair de uma mentalidade de agricultura de subsistência/familiar, para grandes negócios do agro, em que a ciência, tecnologia, mecanização e conhecimento são requisitos fundamentais para o sucesso do negócio. Ainda estamos longe, mas estamos menos distantes hoje do que ontem”, sustenta.

Segundo a empresária, o país ainda não tem uma agricultura com capacidade de alimentar a indústria transformadora de forma contínua e sistemática. Logo, em estado embrionário, não se pode esperar muito pela indústria. Paula Bartolomeu considera a acção da banca outro elemento crucial na cadeia de valores, para a robustez do sector, razão pela qual defende a adaptação dos modelos operacionais dos bancos para atender ao renascimento do agro-negócio em Angola, mediante criação de departamentos especializados para o efeito.

“O agro-negócio ainda é feito por muita gente de maneira informal e como uma alternativa para fazer dinheiro rápido. Se os programas do Estado forem implementados, o agro-negócio vai mudar de figura no nosso país”, diz.

Bartolomeu entende que o maior desafio está na materialização dos programas concebidos para o sector, uma vez que a qualidade dos programas representa o real diagnóstico dos desafios, dificilmente chegam ao fim. “O problema está na debilidade para a execução e conclusão dos programas e posso apontar alguns dos desafios, como, por exemplo, a corrupção e a falta de quadros competentes para levar a bom porto esses programas”, remata.

A funcionária pública que apostou no agro-negócio

Mbombo Garrido, agricultora

Formada em Linguística Inglesa pela Universidade Agostinho Neto, funcionária pública, casada e mãe de três filhos, Mbombo Garrido revela que não é fácil ser mãe, trabalhadora e empreendedora, mas consegue conciliar as tarefas pessoais e as laborais. Adianta que o segredo está na planificação. O interesse pelo agro-negócio surgiu desde a infância.

“Ao constatar as carências de certos alimentos no mercado e a vontade de consumir e provisionar alimentos saudáveis, senti uma revolta, por serem produtos que podem ser produzidos no país, resolvi contribuir para a produção de alimentos, desafiando, assim, a carência de produtos como as hortaliças e plantas alimentares essenciais para a alimentação”, afirma.

Sem beneficiar de crédito bancário, Mbombo Garrido investiu dois milhões Kz em equipamentos, insumos e pessoal, para alavancar a Fazenda KV- Kulama Vanyike, especializada em horticultura. Localizada em Quicabo, município do Dande, província do Bengo, actualmente, está engajada na produção de plantas alimentares.

“Tenho 25 hectares e exploro apenas cinco com horticultura. Estamos a preparar mais cinco Ha para as plantas alimentares como feijão, milho e soja”, acrescenta. A empresária adianta que a sua fazenda conta com até 15 trabalhadores eventuais em cada safra.

Mbombo Garrido revelou que a sua fazenda foi seleccionada para fazer parte da equipa de produção do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), processo que considerou célere, mas lamenta o facto de terem ficado ‘encravados’ até agora por causa dos direitos da terra, que considerou um calcanhar de Aquiles. “Mas estamos a lutar para apresentar a solicitação de financiamento à banca ainda no âmbito do PRODESI”, acrescenta a empresária, que lamenta o facto de não ter sido fácil trabalhar sem assistência técnica. “Tenho tido muitas perdas de colheitas, o que inviabiliza o aumento das nossas receitas”.

Os mercados da cidade de Luanda, nomeadamente o Kikolo e KM 30, são os principais destinos da produção da fazenda, utilizando serviços de aluguer de transportes para o escoamento dos produtos.

De resto, a Fazenda KV- Kulama Vanyike tem em carteira a criação intensiva de peixes tilápia (aquicultura) coelhos (cuniculicultura), galinhas poedeiras (avicultura), para além da continuação da aposta em horticultura e em plantas alimentares.

Mbombo Garrido afirma que o agro-negócio em Angola está a renascer, depois de várias décadas sem se prestar muita atenção ao sector, que deve

ser priorizado para quem faz as políticas públicas e traça a estratégia nacional desse sector. “Ele permite absorver a mão-de-obra e reduzir o êxodo rural juvenil”, assinala, tendo defendido, igualmente, uma forte aposta em programas de produção de sementes melhoradas e centros de investigação agronómica que apoiem os agricultores familiares e empresariais.

Foodcare: processamento alimentar

Marlene José, empreendedora

De 39 anos, casada e mãe de dois filhos, decidiu-se a empreender no processamento alimentar, mudando a narrativa nacional e internacional dos produtos africanos que são conhecidos como indígenas, por falta de sanidade no acto do processamento. Marlene José conta com a ajuda do esposo, amigos, familiares e uma auxiliar do lar que constituem a base para conciliar a vida profissional com o pessoal.

Ao ver frutas cheias de nutrientes a serem desperdiçadas por falta de cadeias de processamento, a empreendedora começou a estudar sobre o agro-negócio e o processamento alimentar, daí ter surgido o interesse pelo sector.

O projecto abriu portas em Janeiro de 2020, contou com um investimento de 370 milhões Kz, beneficiou de crédito bancário à luz do Aviso n.º 10, de 2020, do Banco Nacional de Angola. A empresa prevê recuperar o capital investido a partir de 2024.

Actualmente, a FoodCare, indústria de processamento alimentar, tem 13 trabalhadores fixos e 23 eventuais, tem uma capacidade instalada de 35 toneladas por mês, sendo que, actualmente, produz à volta de oito toneladas. A matéria-prima é local, já as embalagens são importadas. Os maiores clientes da FoodCare são os supermercados nacionais.

Em Novembro de 2022, a empresa deu início à exportação para a Europa por via aérea. Para além de aumentar o leque de produtos alimentares, em 2023 espera ver os produtos nas prateleiras dos supermercados europeus, investir na fabricação de embalagens PET, para fomentar a entrada de pequenos processadores alimentares no mercado formal. A par destas acções, a instituição pretende exportar para onde houver mercado, tanto produtos acabados como matéria-prima pré-processadas para a indústria alimentar.

Durante a Feira Comercial Intra-Africana 2021, a FoodCare recebeu quatro manifestações de interesse, a fim de exportar para a República Democrática do Congo (RDC), Namíbia e Quénia. A empresária avança que, em relação à Namíbia e ao Quénia, não houve evolução, por questões dos termos de liquidação e credibilidade dos potenciais distribuidores, já com a RDC estão na fase da assinatura do contrato de distribuição.

Sobre o agro-negócio no país, Marlene José afirma que 90% do cultivo feito em Angola é familiar e de subsistência. Muito há que ser feito, desde a necessidade em termos de infra-estruturas como estradas em condições para facilitar o escoamento das zonas de cultivo para os centros de distribuição.

Aponta para a necessidade de munir os agricultores com material de cultivo, para que se tornem independentes das chuvas, criar mercados abastecedores que serviram de depósito de toda a produção. “O que não for escoado deve ser canalizado para o processamento alimentar, adicionando valor a estes produtos”, defende.

Marlene José afirma que a indústria transformadora em Angola é dominada por homens. Apesar do esforço que tem sido feito, a maior parte dos produtos processados tem matéria-prima importada por não haver fornecimento local de qualidade e que satisfaça a procura. Para esse cenário, aponta para a necessidade de haver investimento em metalúrgica de artefactos de inox, estradas com qualidade, energia e água potável, criação de incubadora de indústrias alimentares desde a capacitação dos intervenientes, acompanhamento e financiamento.

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