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“Não se fez um plano de reintegração das populações. A paz chegou e ninguém deixou Luanda” - sociólogo Lucas Ngonda

Victória Maviluka
4/4/2024
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Foto:
Isidoro Suka

Sociólogo, docente universitário e ex-presidente da FNLA, Lucas Ngonda fala em exclusivo à E&M sobre o êxodo rural, um fenómeno iniciado à época do conflito armado.

Após a conquista da paz, esperava-se que as populações, sobretudo aquelas que migraram para as grandes cidades, como Luanda, à busca de segurança e melhores condições de vida, regressassem às terras de origem. Isto não se observou. Como desafogar Luanda deste quase um terço da população do País?

Quem fugiu da guerra veio encontrou em Luanda minimamente as condições necessárias que procurou. Terminou a guerra, voltou, mas os programas sociais que temos aqui não são os mesmos que temos nas outras províncias do País, o que quer dizer que não é regressar por regressar, as populações tinham que regressar numa nova fase de uma outra economia, uma economia de recuperação da situação social do País.

Isso não está a ser feito?

Não foi feito nada! É o Kwenda? Aquilo é o quê? Oito mil kwanzas que se dá, vai construir casa, vai fazer o quê? Então, as políticas sociais, ao invés de estarem voltadas para a província de Luanda, deveriam estar voltadas para o interior, porque o interior é onde está a produção, é onde as pessoas devem estar para produzir e é onde, também, de facto, devemos amar a Pátria.

Amar a Pátria?

Sim, porque quase toda a terra para o cultivo está no interior do País. Se não se fizer isso, de certeza absoluta que Luanda continuará a ter a sorte ou o azar de receber toda a gente sem condições para oferecer. Isto cria aquilo que perturba a paz social, porque as pessoas não têm direitos, não estão, muitas vezes, sequer em condições de usufruir de certos direitos. 

Como assim?

Por exemplo, para se trabalhar aqui, tens de ter uma profissão, se não tens profissão tens de ter terra para lavrar. O que é que vais fazer, se não tens nem formação, tampouco terras para cultivar? Não fazes nada! E ficas só a vender, pegar num pacote de massa alimentar, colocar na porta de casa para vender. Isso não é vida!

Qual é a solução, afinal, para se inverter o quadro?

Tem de haver uma reestruturação completa na reintegração das populações nas suas terras de origem.

É um desafio, sobretudo, para os sociólogos, classe da qual, aliás, o senhor faz parte, não?

Requer, sim, um estudo sociológico para que as populações possam ser reintegradas. Não se fez um plano de reintegração das populações. A paz chegou e ninguém deixou Luanda. Quer dizer: cada pessoa foi e chegou à sua sanzala, não encontrou atracção e regressou a Luanda e a outros centros urbanos do País, onde até deixou filhos, porque estes, pior ainda, já não aceitam regressar ou conhecer as terras dos seus pais.

O que falta para se partir para um estudo do género?

O Estado angolano, se desse importância às universidades, este estudo sociológico já podia ter sido feito. O Estado que dissesse assim: “Olha, a situação do País é esta, vocês é que têm a ciência nas mãos, o problema que queremos resolver é este”. Aí os estudiosos, as universidades entrariam no terreno.

Noutras realidades, as universidades fazem estes estudos sociais, independentemente da iniciativa das autoridades.

Mas para apresentar um programa que, depois, vai morrer numa gaveta?! Epa, este é que é o problema. As iniciativas não faltam. Eu, pessoalmente, já tive iniciativa do género, que eu entreguei… não houve apoio nem sensibilidade. Fazer o quê?