3
1
PATROCINADO

“A mulher é o artífice da segurança alimentar do País”

Redacção_E&M
9/3/2024
1
2
Foto:
Isidoro Suka

Maria Filomena Nogueira, responsável pela direcção do Agronegócio do BFA, aborda os desafios e soluções para o sector agroindustrial e o papel das mulheres no desenvolvimento do ramo.

Quais são os principais desafios que o sector agro-industrial em Angola enfrenta?

Um dos principais desafios para a agro-indústria em Angola é contribuir para auto-suficiência alimentar de uma população que cresce a um ritmo de cerca de 3,5% a.a, o que corresponderá em 2034 a cerca de 49 Milhões. A auto-suficiência pode ser alcançado por meio da produção interna desses alimentos ou pela importação.

Ao longo dos últimos anos temos vindo a assistir a um conjunto de políticas públicas para incentivar o aumento da produção nacional, assente na facilitação ao crédito bancário, formação de produtores familiares e medidas protecionistas da pauta aduaneira, entre outras.

Contudo, apesar de uma população rural com forte tradição agrícola e dos recursos naturais (terras, clima e água), o país está longe de atingir a sua auto-suficiência em produtos básicos alimentares como milho, arroz, açúcar e frangos. É certo que a agricultura é um dos sectores da economia angolana que mais cresceu nos últimos anos e de forma consistente. Porém, se quisermos garantir que a produção interna constitua a maior fatia das necessidades alimentares da população nos próximos 10 anos, o ritmo de crescimento terá de ser acima do dobro da taxa de crescimento da população.

O que deve ser feito para reverter esse quadro?

Para reverter esse quadro é necessário a adopção de algumas medidas para melhorar a eficiência no sector agro-industrial, direccionar os poucos recursos financeiros disponíveis, apostando no zoneamento agroecológico para o desenvolvimento de clusters/cadeias de produtos agro-pecuários, em regiões com aptidão adequada; promover o acesso à tecnologia como sementes melhoradas, maquinaria agrícola e sistemas de rega; desenvolver a investigação para atender as necessidades específicas de cada região e soluções para mitigar as consequências das alterações climáticas que tem vindo a afectar as condições de cultivo e a disponibilidade de água; promover o uso sustentável dos recursos naturais, como água e solo; apostar na formação de técnicos básicos, médios e superiores, com programas específicos, para melhorar as práticas agrícolas e a gestão das empresas agro-industriais; desenvolver programas de incentivos que promovam a cooperação tecnológica e comercial entre as empresas estruturadas e empresas familiares vizinhas; melhorar as vias de comunicação e o acesso à energia, fundamental para a instalação e funcionamento das agro-industriais; investir em infra-estruturas de armazenamento e conservação, processamento e distribuição; desenvolver uma oferta adequada de crédito ao investimento para agricultores familiares e empresas, para promover o crescimento e a expansão das actividades agro-industriais e por fim, não menos importante, facilitar o acesso às terras agrícolas para atrair investimentos e adoptar o regime de preços mínimos dos produtos agrícolas para protecção financeira das empresas agrícolas.

A implementação destas medidas irá contribuir para o desenvolvimento e crescimento do sector agro-industrial, para resolver os problemas de baixa produtividade agrícola, promover o surgimento de negócios a montante e a jusante da cadeia de produção, gerar volume, facilitando o acesso aos mercados, estimular o surgimento de empresas de logística e de transporte e de indústrias de processamento e de transformação, promovendo deste modo o desenvolvimento sustentável da economia na região e no país.

As instituições financeiras estão preparadas para financiar o agronegócio de modo a impulsionarem o crescimento, produtividade e inovação? Quais os principais entraves?

O financiamento pode, sem dúvida, ser o motor para alavancar o sucesso de qualquer empreendimento agrícola e para o desenvolvimento económico de um país. Instrumentos como o Aviso nº10/BNA, o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Comercial (PDAC), que têm a banca comercial como operadores, o banco de desenvolvimento, BDA e os fundos públicos FADA e FACRA, colocam à disposição dos empresários e dos agricultores familiares, uma variedade de opções de financiamento, com taxas de juros competitivos, face à realidade do mercado. Mas, o acesso pode ser dificultado pelos critérios de selectividade a que as instituições financeiras são obrigadas, para garantir sustentabilidade do financiamento ao sector, no médio e longo prazo.

Olhando retrospectivamente para o que se passou nos últimos anos, foram despendidos, pela banca comercial e outras instituições financeiras, avultados recursos para o financiamento do agronegócio. No entanto, a taxa de retorno observado não criou o clima de confiança necessário para que se considerasse esse negócio atractivo. Contribuíram para isso a desresponsabilização das empresas e dos gestores, face ao fracasso dos seus negócios, justificado quase sempre pelo risco do sector e os longos processos judiciais para a execução das garantias, o que impacta na capacidade de as instituições financeiras concederem novos financiamentos.

Face a esta experiência, como os bancos contornam estas barreiras?

As instituições financeiras são um dos pilares para o financiamento do agronegócio. Há um movimento crescente no sentido de se dotarem de capacidade própria ou com recurso a terceiros, de análise, avaliação e acompanhamento das operações financiadas e na sua oferta dispõe de produtos financeiros específicos para o sector, de curto a longo prazo. Para uma abordagem mais adequada na concessão de crédito e para desenvolvimento de um modelo de financiamento para o agronegócio, o tempo e as parcerias sólidas que se vão estabelecendo entre instituições financiadoras e as empresas financiadas, levarão a uma melhor compreensão dos processos produtivos, do histórico de produção e das vendas, o que irá permitir ajustar a oferta à sazonalidade das operações culturais.

A disponibilidade de crédito poderá impulsionar o agronegócio por meio da oferta de produtos financeiros específicos para o sector, o que irá permitir que agricultores e empresas invistam na expansão ou na modernização das suas explorações, com tecnologia, sistemas de monitoria e automação dos processos, o que irá contribuir para aumentar a eficiência e a produtividade.

Apostar no desenvolvimento de parcerias estratégicas, com entidades públicas, privadas e organizações multilaterais, para o financiamento de infra-estruturas, para a pesquisa e divulgação e para capacitação dos produtores sobre boas práticas, gestão agrícola e financeira e para o uso eficiente de recursos. 

Dinamizar o seguro agrícola e incentivar os produtores a contratá-lo para os proteger contra os riscos climáticos, pragas e doenças, garantindo deste modo maior segurança financeira. Facilitar o acesso aos mercados, promovendo ligações de mercado e plataformas de comercialização. Incentivar práticas sustentáveis, como a utilização de fontes de energia renováveis e tecnologias sustentáveis.

Realizar, através de equipas especializadas, o acompanhamento do desempenho dos projectos financiados para avaliar o seu impacto e realizar os ajustes necessários.

Que medidas podem ser adoptadas para promover a inclusão de mulheres e jovens no sector agro-industrial e assegurar a sua participação activa no desenvolvimento rural?

Segundo dados do Recenseamento Agro-pecuário e Pescas (RAPP) 2019-2020 realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), apenas 9% das explorações agro-pecuárias e aquícolas empresariais tinham como proprietários ou principais responsáveis mulheres, sendo que os jovens, com idade inferior 44 anos detinham apenas 17,3% correspondente a ¼ das explorações detidas por empresários com idade superior a 55 anos.

Este cenário não difere do que se passa a nível mundial, onde as mulheres rurais enfrentam mais restrições do que os homens no acesso à terra, ao financiamento e aos factores de produção. A FAO tem vindo a desenvolver estudos sobre as mulheres rurais, tendo constatado que quando estas conseguem ter acesso igual ao dos homens a recursos produtivos, financeiros, educação e serviços, há um aumento considerável na produção agrícola e uma redução significativa no número de pessoas com fome, sendo por isso fundamental promover a sua inclusão a par dos jovens, no sector agro-industrial.

Que medidas concretas devem ser tomadas?

Para garantir a participação activa destes no desenvolvimento rural, devem ser adoptadas medidas que visam (i) o empoderamento económico, com a realização de programas de capacitação específicos para mulheres e jovens, em actividades agro-pecuárias, incluindo gestão, técnicas agrícolas e empreendedorismo, na facilitação do acesso a linhas de crédito específicas para mulheres e jovens agricultores, para investimentos nas suas actividades e na garantia do acesso à terra, permitindo que mulheres e jovens possam cultivar e desenvolver as suas propriedades; (ii) na promoção da igualdade de género, com a realização de campanhas de sensibilização da sociedade sobre a importância do papel das mulheres e jovens no desenvolvimento rural e agro-industrial, no incentivo à criação de grupos (associações ou cooperativas) de mulheres e jovens agricultores para troca de experiências e na valorização e reconhecimento do trabalho das mulheres e jovens através da instituição de prémios; (iii) no desenvolvimento de políticas públicas específicas que incentivem a participação activa de mulheres e jovens nas cadeias de produção e para a realização de investimento em infra-estruturas rurais para facilitar o desenvolvimento das actividades agro-industriais.

A inclusão efectiva de mulheres e jovens no sector agro-industrial e no desenvolvimento rural, só será possível se houver um esforço conjunto do governo, das organizações, das comunidades e dos indivíduos para a criação de um ambiente favorável e igualitário para todos os envolvidos.

Como encara o desafio da exportação e certificação dos produtos locais? Quais os desafios para aumentar a presença no mercado internacional?

Confesso que, no cenário actual, não sou uma defensora acérrima da exportação, porque entendo que o País tem ainda muito para desenvolver internamente antes de começar a olhar para fora. Há produtos, como o café, que Angola tem um histórico de produção, de pouco consumo interno, que pode ser um desafio para o resgate da posição no mercado mundial, da década de 70. Algumas empresas produtoras de frutas, como banana, pitaya, ananás e abacate, têm vindo a desbravar o seu caminho, mas o volume é um tema e o caminho longo a percorrer. É certo que o Corredor de Lobito e o Centro Logístico da Caála irão contribuir para impulsionar a exportação de produtos agrícolas, com destaque para as frutas, pelo que vale a pena produzir dentro dos padrões de qualidade exigidos nos mercados internacionais para garantir que estaremos aptos a obter as certificações quando forem necessárias.

Mas estou convicta que todo o esforço a desenvolver nos próximos anos deveria ser no sentido de que o país possa garantir que produz o que necessita para alimentar a população, assegurando deste modo a segurança alimentar. O foco das nossas acções deveria ser para resolver questões relacionados com o saber fazer, acesso à tecnologia (sementes melhoradas, adubos, fitofármacos) e maquinaria, para aumentar a produtividade, diminuir os custos de produção, o que nos tornaria também competitivos no mercado internacional, contribuindo deste modo para diminuir a pressão sobre as divisas para 

importação e dando capacidade ao país para investir nos serviços básicos como, saúde, educação, água, energia, infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, que fazem parte de qualquer estratégia de desenvolvimento económico de médio longo prazo de uma nação.

Produzir em Angola já é uma oportunidade de negócio rentável para quem tiver o seu negócio bem estruturado?  Há um aumento da procura de produtos nacionais?

Pelo que foi dito ao longo desta conversa é fácil depreender que produzir em Angola é um desafio diário para qualquer empresa. É necessária uma forte capacidade de planificação para assegurar a tempo os meios necessários para o início da campanha de produção, para garantir as operações culturais, reparações e manutenções, recursos humanos e mercado. Muitas vezes para atingir a rentabilidade desejada é preciso dimensão. O país tem poucas, mas algumas experiências que mostram que estando assegurados estes factores a produção agro- pecuária é e pode ser um negócio rentável.

Hoje é notório um aumento da oferta de produtos de produção nacional nas prateleiras das grandes superfícies comerciais, quer in natura como industrializados e a preços mais acessíveis do que os importados, o que com certeza levará a uma maior procura pelos consumidores.

Que recomendações faz ao nível de melhoria de políticas públicas e ambiente de negócios? 

As políticas públicas devem ser feitas à medida do empresariado nacional. Em Angola a actividade agro-pecuária é desenvolvida maioritariamente por pequenos produtores familiares, responsáveis por 85% da produção, com conhecimento e tecnologias pouco desenvolvidas, com dificuldades de acesso aos mercados, quer de insumos quer para a comercialização, sem acesso a serviços de Assistência Técnica (AT), sendo que são necessárias políticas públicas que os incentivem a produzir mais e melhor, em quantidade e qualidade. Proporcionar serviços de extensão rural em todos os municípios com aptidão para a actividade agro-pecuária, é um exemplo de política pública à medida para atender os produtores familiares, para prestação de serviços tecnológicos, impulsionar o associativismo e cooperativismo, para a criação de cadeias produtivas auto-sustentáveis, dotando-os assim de capacidade para acederem à oferta de crédito proporcionado pelos diversos programas de iniciativa pública. O zoneamento agroecológico do país, para a criação de clusters de produtos agro-pecuários, conforme já mencionado, pode ser uma importante ferramenta para o fornecimento de subsídios técnicos para execução de políticas públicas. A melhoria das infra- estruturas viárias e ferroviárias que possibilitem o escoamento da produção, evitando os desperdícios e diminuindo os custos de frete, seriam medidas que iriam reduzir o custo do produto final junto do consumidor.

Ao longo dos últimos anos temos acompanhado a implementação de algumas políticas públicas para incentivar o acesso ao financiamento, de facilitação do escoamento da produção agrícola, para formação de agricultores familiares e outros, que pecam por não se conhecer os resultados e o impacto na economia. Há necessidade de um trabalho mais aturado neste sentido, de forma que as boas práticas possam ser replicadas em outras geografias do País e também para se corrigir o que for necessário.

No que diz respeito ao ambiente de negócios ao programa “Simplifica”, que veio reduzir o processo burocrático para a constituição de uma empresa, devem ser tomadas medidas para reduzir a excessiva carga tributária, fazer reformas a nível da legislação para facilitar o acesso à terra e reformas económicas, que são fundamentais para que o País consiga se desenvolver de forma mais sustentada.

Considerando os impactos das alterações climáticas, como podem as mulheres assumir um papel relevante e diferenciador no desafio de tornar Angola num país mais resiliente, sustentável e um país com segurança alimentar?

Analisando os três pilares fundamentais em que assenta o conceito de segurança alimentar (i) disponibilidade dos alimentos, (ii) acesso das pessoas aos mesmos e (ii) consumo adequado do ponto de vista nutricional, a conclusão evidente é que a mulher é o artífice da segurança alimentar do País.

Em Angola a mulher rural contribui significativamente para a disponibilidade dos alimentos, representando mais de 50% da força de trabalho agrícola da família. São elas as responsáveis pela produção, têm um papel importante na preservação da biodiversidade. No campo e nas cidades são responsáveis pela compra, preparação e oferta de alimentos. São elas que transmitem às novas gerações esses conhecimentos. Por outro lado, tem tido uma participação cada vez maior nas cooperativas e associações de produtores locais, nos programas de formação agrícolas e até como decisoras, pelo papel que desempenham nas instituições públicas e privadas. As mulheres podem se envolver em advocacia e liderança para promover políticas que abordem questões como mudanças climáticas, segurança alimentar e sustentabilidade.

Investir em mulheres é investir no futuro de Angola, sendo evidente que para desempenharem um papel diferenciador, resiliente, sustentável e num país que aposta na segurança alimentar, serão necessárias políticas de empoderamento da mulher, para consciencialização dos seus direitos e de remoção das barreiras de desigualdade do género, muitas com raízes ancestrais e culturais e investir na formação académica, contribuindo para o alcance do 5º objectivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS), um compromisso da Agenda 2030, da ONU.